segunda-feira, 15 de dezembro de 2025
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USP apura uso off-label de canetas para emagrecimento

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contato@sejanoticia.com EM 15 DE DEZEMBRO DE 2025, ÀS 03:30

Pesquisadores das faculdades de Medicina e de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) estão investigando o uso indevido de medicamentos conhecidos como “canetas emagrecedoras” por pessoas que não têm indicação médica. A pesquisa, realizada em parceria com universidades do Japão, Dinamarca e Estados Unidos, foi divulgada na revista científica Obesity e destaca um crescimento rápido dessa prática em vários países.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informa que medicamentos como Ozempic e Mounjaro podem ser vendidos apenas com receita médica e são indicados exclusivamente para pessoas com obesidade ou diabetes tipo 2. No entanto, há muitos relatos de pessoas que obtêm esses remédios sem a devida justificativa médica ou os compram em farmácias e canais clandestinos.

Como não existem dados científicos concretos sobre o uso desses medicamentos fora das indicações recomendadas, a equipe de pesquisadores decidiu coletar informações empíricas. Médicos, antropólogos e cientistas sociais estão se unindo para entender como essa situação está mudando hábitos de consumo, relações sociais e políticas públicas.

O professor Bruno Gualano, do Centro de Medicina do Estilo de Vida da USP, destaca a importância de estudar essas mudanças. Para ele, os medicamentos estão gerando uma revolução não só na medicina, mas também na cultura. Eles estão mudando a forma como as pessoas percebem a saúde, a alimentação e até aspectos econômicos.

Gualano explica que, no momento, as pessoas estão experimentando os benefícios das drogas emagrecedoras, como a redução da glicemia e a perda de peso. Contudo, ele alerta que a longo prazo, os efeitos podem mudar.

O estudo busca entender as motivações que levam as pessoas a usarem esses remédios sem indicação e comparar essa prática em diferentes países. Para isso, foi aplicado um questionário online e os dados coletados vão contribuir para futuras análises.

Os pesquisadores observam que muitos usuários não estão atrás de melhorias na saúde, mas sim de um ideal de magreza que está associado a status social e aceitação. Esse fenômeno é associado ao que chamam de “economia moral do corpo”, que considera a magreza como um símbolo de reconhecimento e vantagem em ambientes profissionais.

A autora Fernanda Scagliusi, também do Centro de Medicina do Estilo de Vida, pondera que o alto custo dos medicamentos pode torná-los inacessíveis para pessoas com menor poder aquisitivo. Ela teme que no futuro, a magreza se torne sinônimo de riqueza, enquanto a gordura pode ser vista como um sinal de pobreza. Gualano reforça que isso transforma o corpo em um campo de disputa social, onde certos padrões de beleza são valorizados mais do que outros.

As redes sociais também são identificadas como um dos principais fatores que levam ao uso indevido desses medicamentos. Plataformas como Instagram e TikTok promovem ideais de corpo magro que podem fazer com que pessoas se sintam pressionadas a se adequar a esses padrões. Relatos de perda de peso rápida se tornam referências e atraem novos usuários.

Além disso, o estudo aponta que os efeitos colaterais graves desses medicamentos são pouco discutidos. Muitas pessoas enfrentam reações adversas como náuseas e fraqueza, e algumas chegam a ter dificuldade em realizar atividades físicas. Scagliusi faz um apelo por uma divulgação mais responsável sobre os riscos.

Gualano comenta que há uma contradição nesse cenário: ao conseguirem atingir um padrão de beleza socialmente valorizado, os usuários podem ser criticados por supostamente escolherem uma “solução fácil”. Esse sentimento de culpa já é comum entre pacientes que passaram por cirurgias bariátricas.

As análises também revelam diferenças culturais no uso desses medicamentos. No Brasil, eles são utilizados em busca de padrões de beleza que envolvem questões de raça e classe. Nos Estados Unidos, o foco é na autodisciplina; enquanto no Japão, a preocupação está relacionada à saúde pública. Na Dinamarca, esses medicamentos fazem parte de uma cultura que confia fortemente na ciência biomédica.

A pesquisa conclui que o uso não autorizado desses medicamentos passa a ser visto como uma resposta racional a pressões sociais contemporâneas. Os pesquisadores ressaltam que a falta de estudos sobre os efeitos psicológicos e sociais do uso prolongado levanta questões importantes. É fundamental investigar até que ponto a falta de apetite pode ser um sintoma de distúrbios alimentares e como a dependência do medicamento afeta a relação das pessoas com a comida. As implicações desse fenômeno, que está em crescimento, ainda não são completamente compreendidas e demandam mais atenção.

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